2005-06-29

Carta a uma amiga desatenta de si mesma

Querida amiga, gosto tanto de ti, sabias? A vida tem desses trunfos na manga que é juntar pessoas tão diferentes e fazer dessa mistura uma amizade perfeita, que é o que nós somos. Tu és loira de olhos azuis e eu tenho o cabelo e os olhos castanhos. Tu és a craque das tecnologias modernas e eu a craque da escrita criativa. Tu és organizada e metódica, eu disperso-me com tudo e sou caótica. Tu és meiga na atenção que dedicas aos outros e eu sou meiga na amorizade que invade os outros. O que é que nos une, então? O mesmo fervilhar de ideias, as redes de afectos que tecemos à nossa volta, a mesma ansiedade e preocupação pelos nossos filhos e pelas crianças do mundo, o mesmo amor pelos animais, a mesma mente inquieta que procura descobrir novos mundos e novos saberes. Em tempos diversos, em cidades diferentes, escrevemos um álbum semelhante cheios de bilhetes de cinema e outra recordações ligadas a esses filmes que vimos, coleccionámos citações e lemos os mesmos livros. Gosto que venhas aqui chinar-me, chamar-me a atenção para as coisas e até que me corrijas. Gosto de estares vigilante e de estares sempre aí se eu precisar. Já chorei muitas mágoas ao telefone contigo, porque sim a distância está entre nós mas não nos separa. Sempre foi assim e de cada vez que nos encontramos a nossa amizade cresce mais um pouco. Hoje quero trocar os papeis porque sou eu que te vou chinar agora. Tu sabes que tens andado desatenta de ti, não sabes? Andas sempre atenta aos outros, cuidas de toda a gente e depois não sobra tempo nenhum para ti mesma. Perdes-te em milhentas actividades que nunca mais têm fim. Fazes quilómetros todos os dias a bem de todos mas raramente vais tratar de ti. E agora? Agora, acontece que deixaste de ter controlo sobre ti. O teu corpo ganhou vida própria e está a pedir que pares. O teu organismo quer que desaceleres e que sejam agora os outros a velarem pela tua saúde e a cuidarem de ti. Tu sabes bem que tenho razão. O tempo foge e nunca vais conseguir ter o controlo de tudo. Por muito que faças as injustiças vão perdurar, o sofrimento vai continuar e a ingratidão vai se alastrar... Sabes, agora é tempo de conjugares o verbo gostar na 1ª pessoa do singular: eu gosto de mim. Repete depois de mim: eu gosto de mim (tu de ti nao eu de mim hehehehe). Penso em ti, amiga desatenta, e penso com muita força porque acredito nesta energia benéfica que nos une, acredito que vais ficar boa porque a amorizade tem muito poder, mas tens que me dar uma ajudinha. Prometes que te vais portar bem, que vais desacelerar e cuidar melhor de ti? Porque senão meto-me no carro e faço 300 km para te ir puxar as orelhas, leste-me bem? Gosto muito de ti, amiga desatenta de si mesma. Vou ficar atenta! :) Um abraço de amorizade

2005-06-22

Carta a um amigo pinga-amor

Não sei se sabes disso, mas admiro-te, pinga-amor! Apesar de não teres tido muita sorte, continuas a acreditar genuinamente no amor. Não construiste à tua volta muralhas intransponíveis para te proteger dos outros e não arrancaste do coração, os afectos que nele cresceram. Tens o coração do tamanho do mundo porque consegue abarcar muitos afectos, onde está reservado um lugar especial para cada um deles. Acreditas que vais encontrar a tua alma gémea, aquela que finalmente te vai preencher, aquela que vais finalmente compreender! Por isso, quando pensas ver o rosto do amor, entregas-te de braços abertos para o beijar e acarinhar. Quem me dera ser como tu, pinga-amor, abrir as portas da casa do meu eu e deixar entrar querubins, cupidos e fadas, para a grande festa do amor e da paixão. Mas não sou. Minhas portas estão trancadas. Tenho é um grande espaço no meu coração para toda a amorizade, que é como um pano macio e colorido, que se vai tecendo com todos os fios de afectos e amizades da minha vida. Talvez, um dia, me queiras dar a receita, pinga-amor, de como libertar o medo da rejeição, das frustrações e dos fracassos, prometo tentar fazer o bolo do amor com os ingredientes certos. Eu e tantos outros!...

2005-06-21

Carta a um amigo encurralado

Escrevo-te esta carta porque te sinto cada vez mais distante, já nem sequer vens conversar comigo. Não te feches assim ao mundo. Há quem ainda goste de ti e se preocupe contigo... Sem saberes bem como, ficaste a morar num beco sem saída. Não te consegues mexer nem sequer vislumbrar o horizonte por uma frincha e isso deixa-te desesperado, tu que sempre encarnaste Fernão Capelo Gaivota na perfeição... Quem te vê, pensa que estás bem. Continuas a trabalhar excessivamente como sempre fizeste, mas o teu rosto está cada vez mais vazio de emoções. Já não sais, já não convives com os teus amigos e isolas-te nesse teu mundo onde só a maresia tem lugar. És capaz de raciocinar e de argumentar, porém, a tua imaginação estagnou em cenários de naufrágios amorosos e de castelos assombrados. Tu não estás bem. Será que só eu vejo isso? A fadiga tomou conta do teu desejo e de todas as tuas sensações de prazer. O sentimento de culpa e de incompetência mataram a tua esperança. O pessimismo impede-te de sonhar o futuro. Amigo, não deixes o fatalismo toldar o teu discernimento: nunca se é totalmente carrasco nem totalmente vítima. Tens todo o direito de viver a tua tristeza, de chorar todas essas lágrimas arrumadas numa gaveta de ti, de fazer o luto da perda, mas não te deixes afundar nesse poço! Olha bem à tua volta! Nesse beco, podes pelo menos sair por onde entraste. Ou então reparar finalmente que há uma escada que conduz a uma janela, uma corda que alguém te lançou e que está pacientemente à espera que a agarres. Sempre foste um homem de coragem e empreendedor, vais encontrar uma solução para os teus problemas, nem que demore mais tempo que o necessário. Vais conseguir. Sabes porquê? Porque não estás sozinho. Há sempre alguém do teu lado, alguém que nem vês mas que está pronto para te dar a mão. Nem sempre conseguimos erguemo-nos sozinhos depois duma queda. Aceita esta mão que te quer ajudar a levantar. Estou aqui. Nunca te esqueças disso...

2005-06-20

Carta a um amigo inseguro

Sei que tens passado uns maus bocados na tua vida. Não tens muitos motivos para confiar que as pessoas vão permanecer na tua vida, isso já vem de trás. Na verdade, é difícil nos dias de hoje acreditar que vamos encontrar alguém que nos preencha realmente e com quem poderemos construir um futuro feliz e estável. É como se as pessoas agora já não se esforçassem para que as coisas funcionem, como se já não fossem persistentes. Ficamos então com a sensação que somos lenços de papel, que se utilizam apenas uma vez e se deitam fora, e ficamos com saudades do tempo em que ainda se usavam lenços de pano, que se lavavam e voltavam para o nosso bolso. Por isso, ficamos desconfiados. Achamos que nem vale a pena arriscar conhecer melhor alguém que nos atraia. Para quê? Se calhar só está interessado(a) numa relação fortuita, conseguir mais um troféu num quadro de caça, ou simplesmente temos medo de nos apaixonarmos perdidamente e não sermos depois correspondidos. Às vezes, até arriscamos e depois? Depois, ficamos insuportavelmente instáveis, vivendo no medo da rejeição e do abandono. Desconfiamos com pequenos sinais que nada querem dizer ou talvez sim. Ficamos com ciúmes com pequenos olhares e sinais que nada significam ou talvez sim. Podemos ficar possessos e verbalizamos, fazemos cenas de ciúmes e amuamos. Também podemos apenas silenciar e ficamos a ver ou afastamo-nos antes que o abandono seja real. Precisamos de constantes garantias. Se o outro silencia, ficamos ansiosos e a magicar o que se passará. Se não nos liga, ficamos preocupados e pensamos o pior. Às vezes, ficamos tão melgas que abafamos o outro... Sabes bem que o problema está dentro de cada um de nós e nem tanto na relação com o outro. Temos que acreditar em nós, no nosso valor, que somos pessoas que valem a pena conhecer! Temos que confiar nos sentimentos de alguém especial que há-de surgir na nossa vida ou até já existe mas a quem nem damos hipóteses. Temos que vencer esse medo e mostrar o tesouro escondido do nosso verdadeiro eu. Porque só o amor cura, porque só o afecto pode preencher o vazio, porque só o carinho pode apaziguar o medo, porque só a paixão nos pode fazer renascer das cinzas... Dá-te uma oportunidade, amigo, a ti e aos outros! Um abraço de amorizade :)

2005-06-16

Carta a uma amiga apontada a dedo

Sei que tens passado uns maus bocados com pessoas que te apontam a dedo. Parece que as pessoas gostam de criticar alguém que viva sozinho por opção. Parece que é obrigatório, principalmente para as mulheres, casarem e terem filhos. Quem não casa, fica para tia. Quem não tem filhos, é estéril ou é fria. Antigamente, os homens podiam ficar sozinhos que era visto como sinal de virilidade. Parece que agora já não é assim: se não é casado é porque deve ter alguma tara secreta ou então é homossexual. Sabes, não entendo essa discriminação às pessoas que vivem sozinhas. E escrevo sozinhas no sentido de viverem sem companheiro/a. É verdade que, quando estamos doentes, não há ninguém que nos leve ao hospital e temos de ir sozinhos com febre à farmácia comprar os medicamentos. É verdade que temos de fazer tudo sozinhos, sem ajuda de ninguém, e que não há ninguém que nos abrace quando estamos deprimidos. Mas, por outro lado, somos donos de nós e do nosso tempo. Somos pessoas livres e independentes e não temos de dar satisfações a ninguém. Apenas temos de responder à nossa consciência, aos nossos valores e aos nossos princípios. Não temos de prestar contas do nosso dinheiro nem das nossas relações. Há uma certa estabilidade emocional porque não há os altos e baixos do amor, não há discussões nem soluções de compromisso. Não é preciso esconder-se na casa de banho para chorar nem é preciso arranjar desculpas para se ficar em silêncio. Não temos de fugir nem de nos proteger. Podemos desleixarmo-nos sem sermos julgados, arrumar quando apetecer. Não temos obrigações caseiras para com ninguém. Podemos comer uma sande, ler um livro de fio a pavio e ouvir o mesmo cd 100 vezes seguidas sem irritar ninguém. No fundo, toda essa liberdade, que muitos solitários sabem aproveitar para serem felizes consigo próprios, choca muitas pessoas. E sabes que mais? Talvez porque elas sentem-se bem mais sozinhas estando acompanhadas por quem já não as ama, por quem já não as ouve ou compreende, porque invejam secretamente a nossa liberdade, mas não têm coragem de soltar as amarras e começar tudo de novo. Nem toda a gente consegue suportar o silêncio porque, por dentro, cresceu um enorme vazio... Deixa lá se te apontam do dedo, o que importa mesmo, é que não estás sozinha como julgam, porque o mundo é feito de muitas amorizades e tu tens muitas mais do que aquelas que eles julgam... Um abraço :)

2005-06-03

Carta a um amigo triste

Tenho pensado em ti, na tua tristeza. Para algumas pessoas, pode parecer banal acontecer um desgosto de amor durante a nossa vida. Todos nós já passámos por isso, em maior ou menor grau. Contudo, todos sentem de forma diferente e tu tens andado muito triste, mesmo se não parece. A verdade é que, quando o amor acaba, não há vencedores. Muito ou quase tudo se perde: afectos desfeitos, ilusões quebradas, companhias que desaparecem, uma história comum que se esfuma, memórias que se desfazem, palavras e vivências que deixam de fazer sentido. É difícil superar-se a rejeição e o abandono, mas o que custa mais é lidar com a perda. É preciso então fazer uma terapia do esquecimento que se torna ainda mais difícil quando os laços não se desfazem completamente, no caso de haver crianças que unem o desunido. É preciso dar umas férias ao coração, deixá-lo viajar por outras terras de amizade e por outros afectos. Depois, é esperar que ele volte mais fortalecido... E há-de haver um dia em que acordamos e já não dói, o vazio já está a ser preenchido e começamos de novo a viver, confiantes no futuro. Às vezes, esse dia custa a chegar. Às vezes, mesmo superando o desgosto, há mágoas que ficam para sempre cravadas na memória como picos que não matam mas moem. Gostaria de te dizer que esse dia está próximo e que amanhã te sentirás menos só, menos ansioso e mais feliz. Gostaria de passar a mão nesse olhar triste e apagar essas mágoas que ainda te fazem sofrer para poderes voltar a dormir. Gostaria de poder ajudar-te, por isso, escrevo-te esta carta, para saberes que não estás completamente abandonado, tens-me a mim e à minha amorizade. Um abraço apertadinho jacky