As palavras são como água
As palavras são como água.
Começam tímidas na nascente e vão crescendo no leito do rio. Por vezes, estão recatadas em lagos de calmaria. Outras vezes, inudam os locais mais recônditos.
As palavras vão e vêm como vagas e não são de ninguém. Ou então estão presas, engarrafadas.
Há palavras secretas escondidas em fossas abissais e outras transparentes e brincalhonas em cascatas.
Certas palavras são duras e caem como saraiva* e outras enternecem como degelo. Algumas são avarentas caindo gota a gota; outras, abundantes, fertilizam como chuva.
Há palavras secas à procura de uedes** no deserto ou desejosos de oásis; outras são frescas como orvalho matinal.
Quando as palavras se revoltam, tornam-se tempestade marítima, senão acalmam-se em escuma.
Certas palavras são tão frágeis que se evaporam, logo que são proferidas. Outras são tão fortes que permanecem como icebergues na memória.
Há palavras violentas, maremotos destruidores e há outras que de tão pacíficas são água benta.
Quando as palavras são encarceradas formam pântanos incompreensíveis; quando são finalmente libertadas, abatem-se em avalanche descontralada.
Palavras apaixonadas tanto são suor como lágrimas. Palavras poéticas são água de colónia ou essência perfumada. Há palavras-beijo que viajam de saliva em saliva e outras em lençol subterrâneo.
As palavras inseguras escondem-se nas nuvens e as extrovertidas juntam-se na foz entre rio e mar.
Há palavras escorregadias como geada e outras dançantes como floco de neve.
As palavras são como água. Há que deixá-las fluir, deixá-las seguir o seu curso.
Jacky
* granizo (para a gente do Sul).
** rios temporários no deserto do Sara.
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