2005-03-04

Posso escrever os versos, Pablo Neruda

Edward Robert Hugues Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Escrever, por exemplo: «A noite está estrelada, e tiritam, azuis, os astros lá ao longe.» O vento da noite gira no céu e canta. Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Eu amei-a, e por vezes ela também me amou. Em noites como esta tive-a eu nos meus braços. Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito. Ela amou-me, por vezes eu também a amava. Como não ter amado os seus grandes olhos fixos. Posso escrever os versos mais tristes esta noite. Pensar que não a tenho. Sentir que a perdi já. Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela. E o verso cai na alma como no pasto o orvalho. Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la. A noite está estrelada e ela não está comigo. Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe. A minha alma não se contenta com havê-la perdido Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a. O meu coração procura-a, e ela não está comigo. A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores. Nós dois, os de então, já não somos os mesmos. Já não a amo, é verdade, mas tanto que eu a amei. Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido. De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos. A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos. Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda. É tão curto o amor, tão longo o esquecimento. Porque em noites como esta a tive nos meus braços, a minha alma não se contenta com havê-la perdido. Embora esta seja a última dor que ela me causa, e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

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