2005-06-16

Carta a uma amiga apontada a dedo

Sei que tens passado uns maus bocados com pessoas que te apontam a dedo. Parece que as pessoas gostam de criticar alguém que viva sozinho por opção. Parece que é obrigatório, principalmente para as mulheres, casarem e terem filhos. Quem não casa, fica para tia. Quem não tem filhos, é estéril ou é fria. Antigamente, os homens podiam ficar sozinhos que era visto como sinal de virilidade. Parece que agora já não é assim: se não é casado é porque deve ter alguma tara secreta ou então é homossexual. Sabes, não entendo essa discriminação às pessoas que vivem sozinhas. E escrevo sozinhas no sentido de viverem sem companheiro/a. É verdade que, quando estamos doentes, não há ninguém que nos leve ao hospital e temos de ir sozinhos com febre à farmácia comprar os medicamentos. É verdade que temos de fazer tudo sozinhos, sem ajuda de ninguém, e que não há ninguém que nos abrace quando estamos deprimidos. Mas, por outro lado, somos donos de nós e do nosso tempo. Somos pessoas livres e independentes e não temos de dar satisfações a ninguém. Apenas temos de responder à nossa consciência, aos nossos valores e aos nossos princípios. Não temos de prestar contas do nosso dinheiro nem das nossas relações. Há uma certa estabilidade emocional porque não há os altos e baixos do amor, não há discussões nem soluções de compromisso. Não é preciso esconder-se na casa de banho para chorar nem é preciso arranjar desculpas para se ficar em silêncio. Não temos de fugir nem de nos proteger. Podemos desleixarmo-nos sem sermos julgados, arrumar quando apetecer. Não temos obrigações caseiras para com ninguém. Podemos comer uma sande, ler um livro de fio a pavio e ouvir o mesmo cd 100 vezes seguidas sem irritar ninguém. No fundo, toda essa liberdade, que muitos solitários sabem aproveitar para serem felizes consigo próprios, choca muitas pessoas. E sabes que mais? Talvez porque elas sentem-se bem mais sozinhas estando acompanhadas por quem já não as ama, por quem já não as ouve ou compreende, porque invejam secretamente a nossa liberdade, mas não têm coragem de soltar as amarras e começar tudo de novo. Nem toda a gente consegue suportar o silêncio porque, por dentro, cresceu um enorme vazio... Deixa lá se te apontam do dedo, o que importa mesmo, é que não estás sozinha como julgam, porque o mundo é feito de muitas amorizades e tu tens muitas mais do que aquelas que eles julgam... Um abraço :)

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