2005-03-28

As palavras e os 4 elementos

As palavras são como os 4 elementos: água, fogo, ar e terra. Eis 4 visões invulgares, escritas por olhares diferentes: As palavras são como água. Começam tímidas na nascente e vão crescendo no leito do rio. Por vezes, estão recatadas em lagos de calmaria. Outras vezes, inudam os locais mais recônditos. As palavras vão e vêm como vagas e não são de ninguém. Ou então estão presas, engarrafadas. Há palavras secretas escondidas em fossas abissais e outras transparentes e brincalhonas em cascatas. Certas palavras são duras e caem como saraiva* e outras enternecem como degelo. Algumas são avarentas caindo gota a gota; outras, abundantes, fertilizam como chuva. Há palavras secas à procura de uedes** no deserto ou desejosos de oásis; outras são frescas como orvalho matinal. Quando as palavras se revoltam, tornam-se tempestade marítima, senão acalmam-se em escuma. Certas palavras são tão frágeis que se evaporam, logo que são proferidas. Outras são tão fortes que permanecem como icebergues na memória. Há palavras violentas, maremotos destruidores e há outras que de tão pacíficas são água benta. Quando as palavras são encarceradas formam pântanos incompreensíveis; quando são finalmente libertadas, abatem-se em avalanche descontralada. Palavras apaixonadas tanto são suor como lágrimas. Palavras poéticas são água de colónia ou essência perfumada. Há palavras-beijo que viajam de saliva em saliva e outras em lençol subterrâneo. As palavras inseguras escondem-se nas nuvens e as extrovertidas juntam-se na foz entre rio e mar. Há palavras escorregadias como geada e outras dançantes como floco de neve. As palavras são como água. Há que deixá-las fluir, deixá-las seguir o seu curso. * granizo (para a gente do Sul). ** rios temporários no deserto do Sara. Jacky As palavras são como fogo. Pontes de descoberta de um novo mundo, fazem dançar à luz das suas labaredas. Algumas palavras aquecem, num consolo de quem trouxe a chama e a partilhou ou de si-para-si, mirado ao espelho, quando a chama se duplica e triplica... Muitas palavras curam, ainda que queimando ou por isso mesmo. E o poder cauterizante deixa cicatrizes guerreiras que outras palavras calorosamente ígneas alisarão. Há palavras que queimam, fazem bolhas e cortam laços, armadilham caminhos. Umas quantas podem ficar como lava oculta, escondidas sob as pedras e vão aquecendo, devagar. Cintilantes no ardor ou próximas do fogo gelado, tanto deixam marca como reduzem a cinzas. E das cinzas às vezes renascem, ou delas se renasce. Palavras-quentes-de-magia que transportam vida. Algumas palavras andam carregadas de fogo tremeluzente, encantadoras e hipnóticas, atraindo as borboletas. Fogo-fátuo, que prometem sem dar, como o latão brilha sem ser precioso. E há palavras que, no vítreo da passagem, fazem a purificação e derretem as impurezas - deixam apenas o ouro: palavras que transmutam... O transe do fogo dançando assemelha-se ao murmúrio de palavras ardentes. Deixam rasto de fogo na leveza. No aromático cheiro da vela que se vai afogando na cera em chama. Ah, e a luz das chamas... das palavras que incendeiam e iluminam. Permitem ver e aguçam o espírito num fogo-grego. Fogo-de-artifício da alma, podem ser as antípodas de si mesmas - poderosas e destruidoras ou tão frágeis que um sopro ou um chuvisco pode apagá-las. Há palavras de erupções e incêndios, como há de dormências e ausência de fogo. Amodorradas, acinzentadas, vazias e ocas. Às vezes, é preciso fricção para brotar, num incandescente instante. E depois, quase apavoram pelo poder que invocam e porque pode ser preciso palavras-de-queimadas para deter o incêndio. Cortinas-de-fogo, lava coalescente que não permite senão sentir. E há palavras-faúlhas, como beijos pequeninos. Palavras-fogo-posto, que se atiram a devorar adiante e em redor. Palavras são como fogo e muito depende das matérias que encontrarem para se transformarem... Viajante Encarregamos o Yarbird de escrever as palavras ar. Alguém quer escrever as palavras terra?

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