As palavras e os 4 elementos
As palavras são como os 4 elementos: água, fogo, ar e terra. Eis 4 visões invulgares, escritas por olhares diferentes:
As palavras são como água.
Começam tímidas na nascente e vão crescendo no leito do rio. Por vezes, estão recatadas em lagos de calmaria. Outras vezes, inudam os locais mais recônditos.
As palavras vão e vêm como vagas e não são de ninguém. Ou então estão presas, engarrafadas.
Há palavras secretas escondidas em fossas abissais e outras transparentes e brincalhonas em cascatas.
Certas palavras são duras e caem como saraiva* e outras enternecem como degelo. Algumas são avarentas caindo gota a gota; outras, abundantes, fertilizam como chuva.
Há palavras secas à procura de uedes** no deserto ou desejosos de oásis; outras são frescas como orvalho matinal.
Quando as palavras se revoltam, tornam-se tempestade marítima, senão acalmam-se em escuma.
Certas palavras são tão frágeis que se evaporam, logo que são proferidas. Outras são tão fortes que permanecem como icebergues na memória.
Há palavras violentas, maremotos destruidores e há outras que de tão pacíficas são água benta.
Quando as palavras são encarceradas formam pântanos incompreensíveis; quando são finalmente libertadas, abatem-se em avalanche descontralada.
Palavras apaixonadas tanto são suor como lágrimas. Palavras poéticas são água de colónia ou essência perfumada. Há palavras-beijo que viajam de saliva em saliva e outras em lençol subterrâneo.
As palavras inseguras escondem-se nas nuvens e as extrovertidas juntam-se na foz entre rio e mar.
Há palavras escorregadias como geada e outras dançantes como floco de neve.
As palavras são como água. Há que deixá-las fluir, deixá-las seguir o seu curso.
* granizo (para a gente do Sul).
** rios temporários no deserto do Sara.
Jacky
As palavras são como fogo.
Pontes de descoberta de um novo mundo, fazem dançar à luz das suas labaredas.
Algumas palavras aquecem, num consolo de quem trouxe a chama e a partilhou
ou de si-para-si, mirado ao espelho, quando a chama se duplica e triplica...
Muitas palavras curam, ainda que queimando ou por isso mesmo. E o poder cauterizante deixa cicatrizes guerreiras que outras palavras calorosamente ígneas alisarão.
Há palavras que queimam, fazem bolhas e cortam laços, armadilham caminhos. Umas quantas podem ficar como lava oculta, escondidas sob as pedras e vão aquecendo, devagar.
Cintilantes no ardor ou próximas do fogo gelado, tanto deixam marca como reduzem a cinzas. E das cinzas às vezes renascem, ou delas se renasce. Palavras-quentes-de-magia que transportam vida.
Algumas palavras andam carregadas de fogo tremeluzente, encantadoras e hipnóticas, atraindo as borboletas.
Fogo-fátuo, que prometem sem dar, como o latão brilha sem ser precioso.
E há palavras que, no vítreo da passagem, fazem a purificação e derretem as impurezas - deixam apenas o ouro: palavras que transmutam...
O transe do fogo dançando assemelha-se ao murmúrio de palavras ardentes. Deixam rasto de fogo na leveza.
No aromático cheiro da vela que se vai afogando na cera em chama.
Ah, e a luz das chamas... das palavras que incendeiam e iluminam. Permitem ver e aguçam o espírito num fogo-grego.
Fogo-de-artifício da alma, podem ser as antípodas de si mesmas - poderosas e destruidoras ou tão frágeis que um sopro ou um chuvisco pode apagá-las.
Há palavras de erupções e incêndios, como há de dormências e ausência de fogo. Amodorradas, acinzentadas, vazias e ocas.
Às vezes, é preciso fricção para brotar, num incandescente instante.
E depois, quase apavoram pelo poder que invocam e porque pode ser preciso palavras-de-queimadas para deter o incêndio.
Cortinas-de-fogo, lava coalescente que não permite senão sentir.
E há palavras-faúlhas, como beijos pequeninos.
Palavras-fogo-posto, que se atiram a devorar adiante e em redor.
Palavras são como fogo e muito depende das matérias que encontrarem para se transformarem...
Viajante
Encarregamos o Yarbird de escrever as palavras ar. Alguém quer escrever as palavras terra?
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