2005-06-21

Carta a um amigo encurralado

Escrevo-te esta carta porque te sinto cada vez mais distante, já nem sequer vens conversar comigo. Não te feches assim ao mundo. Há quem ainda goste de ti e se preocupe contigo... Sem saberes bem como, ficaste a morar num beco sem saída. Não te consegues mexer nem sequer vislumbrar o horizonte por uma frincha e isso deixa-te desesperado, tu que sempre encarnaste Fernão Capelo Gaivota na perfeição... Quem te vê, pensa que estás bem. Continuas a trabalhar excessivamente como sempre fizeste, mas o teu rosto está cada vez mais vazio de emoções. Já não sais, já não convives com os teus amigos e isolas-te nesse teu mundo onde só a maresia tem lugar. És capaz de raciocinar e de argumentar, porém, a tua imaginação estagnou em cenários de naufrágios amorosos e de castelos assombrados. Tu não estás bem. Será que só eu vejo isso? A fadiga tomou conta do teu desejo e de todas as tuas sensações de prazer. O sentimento de culpa e de incompetência mataram a tua esperança. O pessimismo impede-te de sonhar o futuro. Amigo, não deixes o fatalismo toldar o teu discernimento: nunca se é totalmente carrasco nem totalmente vítima. Tens todo o direito de viver a tua tristeza, de chorar todas essas lágrimas arrumadas numa gaveta de ti, de fazer o luto da perda, mas não te deixes afundar nesse poço! Olha bem à tua volta! Nesse beco, podes pelo menos sair por onde entraste. Ou então reparar finalmente que há uma escada que conduz a uma janela, uma corda que alguém te lançou e que está pacientemente à espera que a agarres. Sempre foste um homem de coragem e empreendedor, vais encontrar uma solução para os teus problemas, nem que demore mais tempo que o necessário. Vais conseguir. Sabes porquê? Porque não estás sozinho. Há sempre alguém do teu lado, alguém que nem vês mas que está pronto para te dar a mão. Nem sempre conseguimos erguemo-nos sozinhos depois duma queda. Aceita esta mão que te quer ajudar a levantar. Estou aqui. Nunca te esqueças disso...

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