2005-11-04

Desejo II

Ela queria-o a ele (ou não), umas vezes sentia calor e outras frio, mas sempre, sempre um arrepio.
Na verdade, não sabia bem o que queria. Sempre lhe fora difícil relacionar-se com adultos perfeitos, porque ainda tinha alma de criança.
Uma criança não se projecta no passado nem no futuro, vive apenas o presente. Uma criança é naturalmente espontânea: ri quando está alegre, chora quando lhe dói, grita quando se irrita e fica doente quando se perturba. Uma criança ou gosta ou não gosta, não finge o que não sente. Uma criança, quando não gosta, não sorri nem beija e quando gosta, expressa-o quando assim o sente.
Também ela, quando estava apaixonada não fazia planos, queria apenas amar livremente. Queria que o seu afecto fosse aceite sem reservas mentais. O tempo em que tentara ser adulta e criar uma família, já tinha passado e não tinha corrido bem. Tinha tentado agir como esperavam dela, mas não tinha conseguido. Tinha prometido a si mesmo nunca mais construir castelos de príncipes e princesas, que viviam felizes para sempre, porque sempre era demasiado tempo para se viver...
Estava cansada daqueles joguinhos que os adultos adoravam: agora seduzo-te eu e depois calo-me uns dias para veres que não me tens. Depois, quando estiveres no ponto, cedes tu e vens ter comigo para me seduzires. Depois, escondes-te tu e assim brincamos ao esconde-esconde dos afectos.
Seria assim tão errado simplesmente amar? Amar agora e não deixar para amanhã? Querer estar ao lado dele, gostar de saber dele, ficar feliz quando ele a queria? Era assim tão complicado ele entender que não estava a construir nenhum conto de fadas, que não fazia futurologia, que não queria ser pressionada com coisas programadas? Que entrar no jogo dos adultos a desequilibrava?
Ela queria-o, sim, porque ele também tinha alma de criança, porque ele também vivia o momento, porque ele via o belo de todas as coisas, porque sempre encontrava o riso perdido de todas as coisas.
E ela não o queria, porque ele se transformava e começava a dissecar o que ela dizia e fazia, julgando que ela o estava a armadilhar num jogo de adultos.
Porque não podiam eles, encontrarem-se quando o tempo deixasse, olharem-se nos olhos e beijarem-se se assim o quisessem? Porque não podiam eles, enquanto não se vissem, gostarem(-se) simplesmente?
Ela queria-o a ele (ou não), umas vezes sentia calor e outras frio, mas sempre, sempre um arrepio. (25.04.2005)

1 comentários:

Blogger wind disse...

Bom texto. O amor seria bem mais simples se fosse assim:)

11/04/2005 04:36:00 da tarde  

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