Desejo IV
Reinhard Simon
Estava deitada na cama a rever o seu velho álbum de fotografias. Ela era o que os franceses chamam de allumeuse, ou seja, uma incendiária de homens. À primeira vista, ninguém diria. Vestia clássico e só quando saía é que se produzia toda. Começava por depilar-se: depilava as pernas, depois as axilas, o buço e deixava sempre para o fim, os que ficavam junto ao sexo, que teimavam em sair da cueca tanga e ela odiava pilosidade. De seguida, ía para o banho, um longo banho com sais suavizantes. Depois secava-se num turco aquecido previamente e passava creme hidratante pelo corpo todo. Queria ter a pele bem macia para a noite que se avizinhava. Maquilhava-se, secava o longo cabelo negro e perfumava-se.
A roupa era escolhida a dedo. Não usava minisaias porque preferia ser discretamente sensual. Usava e abusava de vestidos negros decotados e saias travadas com rachas onde se distinguia ligeiramente meias de ligas pretas. Ela sabia que as ligas deixavam os homens loucos.
Finalmente, os sapatos de tacão bem bicudos e altos, para poder dominá-los mais facilmente. Estava pronta. Só faltava o casaco, comprido, para resguardar-se na rua.
Entrou na discoteca que estava na moda naquele momento. Não havia porteiro que não a deixasse entrar depois de um longo e prometedor olhar. Deixava casaco e carteira no vestiário e ía para o centro da pista. Fechava os olhos e entregava-se à música em total abandono como se fosse um corpo de homem, o corpo de homem por que ansiava há muito. Sabia que mais tarde ou mais cedo, aquele corpo que tinha reparado ao longe haveria de se aproximar.
Aquela noite era especial. Era a nº 100. Gostava de números redondos porque lhe davam sorte. O corpo número cem já estava à sua frente. Não falaram, nem era preciso. Os corpos sabem quando se desejam e ela desejava-o. Saíram, disse-lhe o hotel para onde queria ir, um diferente cada noite.
Entraram. Despiram-se com sofreguidão e ele acariciou-a, beijou-a, tomou-a, gritou de prazer e tudo acabou como começou. Mais uma noite de fingimento. Logo que o seduziu, deixou de o desejar. Afinal, o número cem não tinha nada de extraordinário. Deixou que ele adormecesse, tirou-lhe uma fotografia com o seu telemóvel sofisticado. Levantou-se e vestiu-se. Saiu. Quando chegou a casa, imprimiu a fotografia. Deitada na cama, colou-a no seu velho álbum de fotografias, no lugar do nº 100.
(26.04.2005)
3 comentários:
Jesus, que até arrepia de tão frio!
Uma autêntica caçadora de cabeças...
Mas o conto está muito bom. Sucinto, mas com os ingredientes sensuais necessários.
Vocês sabem que há cada vez mais mulheres assim! Não estará assim tão longe da verdade ;)
Beijinhos wind, mfc e alex
:)****
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