Desejo III
Ele amava-a desde que se lembrava de ser gente. Tinha tudo começado na adolescência. Ele sempre fora tímido, mas muito estimado por todos, devido à sua permanente serenidade e inata sabedoria. Ela era a miúda mais popular do bairro. Todos os adolescentes da zona estavam apaixonados pela miúda-furacão. Tudo nela resplandecia, era a alegria de viver encarnada em gente. Ele, como todos os outros (e odiava-se por isso) desejava-a. Porém, sabia que não tinha hipóteses. Além de ser um pouco mais velho que ela (e nestas idades, 3 anos fazem muita diferença) era a sua antítese. Ele era melancólico, observador, calado, sonhador e passava o tempo perdido nos seus pensamentos. Ela era luminosa, colorida, faladora, divertida e muito comunicativa.
Começou a namorar com uma miúda muita gira para a esquecer e foram ambos a uma festa de anos de um vizinho. Apesar da sua introversão, havia uma coisa que ele gostava muito, que era de dançar. Dançou toda a festa. Ela estava lá. Ela, como sempre, animava a todos e ensinava passos de dança coreografados a que todos aderiam e ele também. Depois, foi a vez dele de ensinar e então ela olhou para ele, não como costumava, mas com olhos de ver. Foi aí que ela reparou nele.
Ele era loiro, de olhos castanhos meigos, tinha um sorriso lindo porque se ria com os olhos. Era gentil e carinhoso. A serenidade dele atraiu-a como se ela fosse um mero clip e ele um poderoso íman.
Não descansou enquanto não soube tudo dele, o que ele fazia, o que ele gostava, quem eram os amigos deles, o que fazia nos tempos livres até conhecê-lo em profundidade. Elaborou um plano: uma festa na sua casa. Entretanto, deu pulos de contente quando soube que ela já não namorava com a miúda gira e preparou tudo para que ele reparasse nela.
Ele ficou espantado: ela tinha-o convidado para uma festa na sua casa a ele? Devia ser por causa dos passos de dança. Bendita dança!
O dia da festa chegou e tudo correu sobre rodas, quando descobriram que ambos estavam apaixonados um pelo outro sem saberem. Amaram-se intensamente, como só os primeiros amores da adolescência sabem amar. Esse amor poderia ter sido eterno, se as contingências da vida não os tivessem separado. Demoraram anos a curarem-se um do outro. Namoraram inúmeras pessoas que procuravam ser à imagem e semelhança um do outro. Ela casou primeiro. Ele ficou à espera. Não podia acreditar que ela não tivesse esperado por ele. Só quando ele soube que tinha tido um filho, é que desistiu. Casou com aquela que o amava há muito e também teve o filho que sempre desejou ter da miúda-furacão.
Já não a vê há muito tempo, mas ainda a deseja. Ainda a sente nos passos de dança que dá cada vez menos. Ela foi o seu mais lindo sonho tornado realidade. Quando os dias se tornam demasiado tristes, sonha com ela e deseja voltar àquela festa em que ela reparou nele, no dia em que ele se tornou especial pelo objecto do seu desejo, ele, o escolhido no meio de todos os outros que a desejavam...
(26.04.2005)
3 comentários:
Muitos amores de adolescência acabam/continuam assim.
gostei muiiiiito deste post.
"We will always have Paris"
;)
Obrigada wind, nana e clitie! Gosto de escrever e gosto muito de ser lida com prazer...
Beijinhos :)****
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