Carta ao meu cão
Kikoni,
Sei que parece lamechas escrever-te uma carta. Algumas pessoas até poderão ficar chocadas de escrever-te primeiro que ao meu próprio filho. Mas, na verdade, não é uma questão de prioridades de afectos. Julgo que no meu coração e na minha mente, há espaço para todos eles, sejam eles relativos a pessoas, a animais ou até a objectos e a lugares.
Escrevo-te esta carta por causa desta fotografia que te tirei no Sábado. Tens assim destas poses de abandono que me encantam. Talvez só os cães e as crianças se confiam dessa forma: inocentemente e em absoluto. Todos nós temos que aprender uns com os outros e gostava que me ensinasses a entregar-me assim ao sono.
Tu bem sabes o quanto me custa adormecer e dormir serenamente. Tu bem sabes que a minha mente está em constante ebulição e que me distraio e disperso facilmente. Tu bem sabes que penso e faço milhentas coisas por dia e que alguma coisa há-de ser esquecida. Por isso, apesar de não seres um cão de raça nem de seres muito inteligente, estás vigilante à tua dona.
Quando achas que estou demasiada ensimesmada, chamas-me e levas-me a passear. Quando me esqueço de te dar água, vens com a patita arranhar-me o braço. Quando me esqueço da chaleira ou do fogão ligados, vens chamar-me para desligar. És o meu companheiro de todas as horas, mesmo quando estou triste e não sei ser palhaço. Ficas deitado aos meus pés, mesmo nos dias em que acordo feia, despenteada e borbulhenta. Não foges de mim, se não tomar banho ou se estiver com o período. Permaneces comigo quando estou doente ou com dor de cabeça. Se andar danada com qualquer coisa, ficas debaixo da cadeira até que a tempestade passe e quando me sento no sofá, vens reclamar os mimos do dia que fazem falta.
Vá! Não fiques vaidoso nem muito convencido porque vou continuar a chamar-te chato por andares sempre atrás de mim. Vou continuar a calcar-te sempre que te meteres no meu caminho sem avisar. Vou continuar a esquecer-me de te dar água quando andar ensimesmada. Vou continuar a resmungar por ter de sair ao frio e ao vento para me passeares. Vou continuar a ralhar-te quando vomitares em cima do único tapete da casa. Tudo isso vai continuar... e nesses dias, para me enternecer, vais fazer olhinhos de cão tristonho ou então vais deitar-te assim ao meu lado, no sofá, e vais conseguir desarmar-me porque não resisto a essa lealdade canina que tu me tens e a essa entrega total que só tu me sabes dar.
Por isso, cão, aqui fica esta carta de agradecimento, por me aturares e por me aceitares como sou, assim, sem reservas, porque nem sempre os meus dias são de amorizade e tu sabe-lo melhor do que ninguém...
1 comentários:
Tenho uma cadela e revi-me nas suas palavras... realmente a minha cadelinha consegue ser aquela amiga incondicional... às vezes penso que só ela não me faz sofrer...
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